Artigo publicado na revista "Minas Faz Ciência" nº. 35 (set. a nov./2008)
Texto: Juliana Saragá (redatora da revista "Minas Faz Ciência")
Por que a astronomia desperta tanto fascínio nos seres humanos? Será porque nos remete às questões transcendentais - "De onde vim?", "Para onde vou?" - ou porque ela sempre existiu em nossos sonhos de criança? Afinal, quem nunca sonhou em ser um astronauta e viajar universo afora? O certo é que a população tem cada vez mais interesse em conhecer essa ciência. Isto é o que vem demonstrando o trabalho do professor e astrofísico, Renato Las Casas, que desde 1990 coordena um ativo programa de ensino e divulgação científica, no observatório Frei Rosário, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O projeto envolve diversas ações de popularização da astronomia, que lhe renderam no ano passado o primeiro lugar no VI Prêmio de divulgação científica Francisco de Assis Magalhães Gomes. Promovido pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais (Sectes-MG), com apoio da FAPEMIG, o prêmio contempla pesquisadores que se destacaram na divulgação da Ciência e da Tecnologia, levando o conhecimento e a importância do fazer científico para a população.
“Astronomia é a principal porta de entrada para ciência, seja para crianças ou adultos”, afirma o professor. Ele ressalta a importância da premiação como um grande incentivo, e reconhece o investimento do governo do estado nesta área nos últimos quatro anos. “Estamos numa fase de maioridade da divulgação científica”, diz. Las Casas, que também atribuiu a premiação à importância do trabalho em equipe, da qual fazem parte os professores Túlio Jorge dos Santos; Carlos Heitor D’Ávilla Fonseca; Fernando Augusto Batista; Beatriz Alvarenga; Bernardo Riedel e mais recentemente, os professores Domingos Sávio de Lima Soares e Alaor Silvério Chaves.
Renato Las Casas, vencedor do prêmio de divulgação científica Francisco Magalhães Gomes: astronomia em liguagem simples, atrativa e dinâmica
Renato Las Casas, vencedor do prêmio de divulgação científica Francisco Magalhães Gomes: astronomia em liguagem simples, atrativa e dinâmica
O Observatório Astronômico da UFMG foi fundado em novembro de 1971 como o primeiro e mais moderno do Brasil. Antes dele só haviam antigos telescópios refratores instalados em nosso país. Atualmente, o Frei Rosário é o segundo maior observatório brasileiro, sendo referência estadual e nacional nessa área. As atividades de divulgação científica do grupo ganharam força com os recursos do programa “Popularização da ciência e tecnologia – Apoio à difusão e popularização de C&T”, da FAPEMIG. O projeto teve início em 2004 e desde então teve muitos avanços. Com o financiamento, o observatório pôde adquirir vários equipamentos que melhoraram a qualidade do ensino e modernizaram a estrutura do local.
“O telescópio binocular foi um dos itens mais importantes, pois é o maior aparelho desse tipo fabricado em série no mundo”, afirma Las Casas. O equipamento funciona como dois telescópios, cada um com 150 milímetros de abertura, o que proporciona várias vantagens, entre elas a facilidade de observação. Além desta característica, o telescópio também dá a idéia de tridimensionalidade, ou seja, quando olharmos para a lua, por exemplo, não enxergaremos um corpo chato no céu, mas sim uma esfera. “Compramos também um conjunto de oculares, que são lentes fundamentais para a qualidade da imagem. Além disso, adquirimos projetores multimídias para as aulas expositivas no observatório e para as itinerâncias”, descreve o professor.
O Frei Rosário está estrategicamente localizado na Serra da Piedade, um dos picos mais elevados da cordilheira do Espinhaço, com altitude de 1.783 metros, no município de Caeté, a 50 quilômetros de Belo Horizonte. O local é aberto ao público, sem necessidade de agendamento prévio, no primeiro sábado de cada mês e em eventos especiais como eclipses e chuva de estrelas cadentes. Além disto, são preparadas programações específicas, como, por exemplo, o projeto “Olhar Maduro”, que possui atividades voltadas para o público acima de 60 anos. No período escolar são atendidas duas escolas por dia, em dois dias da semana, uma do ensino fundamental e outra do ensino médio. O interesse é tão grande que, assim que o agendamento é aberto, as visitações já ficam programadas para o ano todo.
A divulgação das atividades do grupo é feita através da página do observatório que, segundo Las Casas, é um dos sites de ciência em língua portuguesa mais acessados do país. Os visitantes já chegam a 400 mil, desde sua criação, em 1998. Na página é possível navegar no universo astronômico através de diversos assuntos, como eclipses, galáxias, planetas. O visitante também pode entender como funcionam os telescópios, saber como está o mapa do céu no mês, enfim, mergulhar nesta ciência que tanto atrai os olhos humanos.
Todo primeiro sábado do mês, o Observatório abre as portas para o público em geral observar o céu. Além do site, o grupo tem uma coluna semanal no Portal Uai, a “Olhar Longe”, no ar desde agosto de 2007. Nela, a ciência astronômica é abordada em uma linguagem simples, atrativa e dinâmica, voltada para todos os tipos de público. Mensalmente o Portal Uai faz uma estatística das quatro colunas mais lidas, e a “Olhar Longe” está sempre neste ranking. “Já teve mês em que as quatro colunas mais lidas foram as nossas!”, conta o professor com entusiasmo. Segundo ele, o interesse dos leitores é muito grande. “Eles enviam e-mails, vão ao observatório e comentam os assuntos dos artigos”, diz.
Todo primeiro sábado do mês, o Observatório abre as portas para o público em geral observar o céu
Uma das partes principais do projeto de popularização científica do grupo são as itinerâncias. A idéia é democratizar a ciência e levar o conhecimento a todos os cantos de Minas, atingindo principalmente as pessoas que não têm acesso a ela. Em dez anos de trabalho, a equipe já viajou para quase todas as cidades mineiras, e, por três vezes, foram para fora do Estado, nas cidades de Manaus e Palmas.
“As itinerâncias são um verdadeiro sucesso, e vão deslanchar ainda mais com a chegada do Astrocar”, conta o professor com animação. O Astrocar é um veículo adquirido com recursos do projeto para facilitar as viagens do grupo. “Antes o carro tinha que fazer várias viagens para levar os equipamentos e o pessoal. Além disso, o transporte era por conta da cidade, o que limitava o número de locais visitados, pois as cidades menores não têm muitos recursos” afirma. A van vai permitir um maior conforto para o grupo e o deslocamento adequado dos equipamentos. “Quando chegarmos ao local, já estaremos prontos para o trabalho. Além disso, o Astrocar chama bastante atenção da criançada!”, anima-se.
Um dos projetos mais importantes em itinerâncias é o “Quarta Crescente”, que acontece nas quartas-feiras das semanas de lua crescente. Nos dois últimos anos, o programa foi realizado no Parque Ecológico da Pampulha. No local são disponibilizados telescópios e binóculos de última geração, para observações orientadas de estrelas, planetas, constelações e outros corpos celestes. Também é montado um planetário, que é basicamente um equipamento que projeta um céu artificial em um anteparo, permitindo a visualização de planetas e estrelas como vistos de qualquer ponto sobre a superfície da Terra. As visitas são orientadas de hora em hora, com prioridade para os alunos das escolas da cidade. Também são oferecidas palestras voltadas para o público em geral, e algumas específicas, dirigidas aos professores das escolas municipais, estaduais e particulares.
O professor Las Casas acredita que o trabalho do grupo tem contribuído para estimular o interesse científico na população. “Há vários anos os professores das escolas que visitamos nos acompanham e levam seus alunos ao observatório, o que prova que nosso trabalho tem sido importante para o ensino da ciência.”, diz.
Um grande projeto do grupo é a criação de um planetário para Belo Horizonte. Agora, o ideal está se tornando realidade. O planetário vai fazer parte do Circuito Cultural da Praça da Liberdade e será inaugurado no inicio deste ano, onde funcionava a reitoria da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg). O local vai funcionar nos moldes do observatório, com atividades para o público em geral e para as escolas sem a necessidade de agendamento prévio. “Há alguns anos temos feito uma pesquisa sobre o ensino de astronomia em Minas Gerais, e o planetário vai nos ajudar a colher dados para alimentar essa investigação”, declara o professor.
Também com recursos da FAPEMIG o Observatório Astronômico do Museu de História Natural do Jardim Botânico da UFMG está sendo recuperado. “O local estava abandonado há mais de 15 anos. Com os recursos, já conseguimos recuperar a cúpula e agora estamos encerrando a recuperação do telescópio”, conta. A equipe de Las Casas está cheia de planos para 2009. A idéia é continuar o trabalho de divulgação científica com as itinerâncias, que terão eficácia ainda maior com o Astrocar. Além disso, o trabalho será ampliado com a inauguração do planetário, na Praça da Liberdade. A estratégia será trabalhar com o grande público no planetário, que mostra um céu artificial, simulado. As pessoas que quiserem ver o céu natural poderão ir ao Frei Rosário, onde ficam os melhores equipamentos. Para o professor, as perspectivas para o futuro são as melhores. “A partir deste ano chegaremos bem próximo do que achamos que seria o melhor que poderíamos fazer”, orgulha-se.
Coluna sobre genética ajuda a informar e desmistificar o tema
Prof. Sérgio Pena, autor da coluna Deriva Genética
“Nos dias de hoje, precisamos muito de um público informado que possa entender os objetivos da ciência e incorporá-la em seu planejamento de vida e no seu ativismo político”. Esta conclusão é do pesquisador Sérgio Pena, geneticista e professor da UFMG. Pena foi o segundo colocado no prêmio Francisco Magalhães Gomes. Ele concorreu com a coluna Deriva Genética, publicada no site Ciência Hoje. “A coluna tem sido muito bem sucedida, inclusive por medidas de acesso. Uma delas chegou a ter mais de 18 mil visitas nas duas semanas após a publicação”, comemora.
A Deriva Genética está no ar desde fevereiro de 2006. Nela, são abordados temas sobre ciências da vida, especialmente genética e evolução, em uma linguagem clara e atrativa. As colunas, que já passam de 30, são publicadas mensalmente na segunda sexta-feira de cada mês. Pena afirma que aceitou o convite para criar a coluna online por dois motivos. Primeiro porque a Ciência Hoje é uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), organização sem fins lucrativos que tem a missão promover a ciência no Brasil. A segunda razão é por acreditar que esta nova mídia lhe proporcionaria a oportunidade de expressar ao público geral o seu encanto com as ciências biológicas e as suas relações com as artes e as humanidades.
Segundo dados fornecidos pelo UOL, provedor que hospeda o site Ciência Hoje, a coluna que recebeu maior número de visitas foi a intitulada "Mendel: o anti-herói". Publicada em março de 2007, ela foi acessada mais de 17 mil vezes nas duas semanas após a sua publicação. Outra medida do sucesso da Deriva Genética são as centenas de mensagens recebidas de leitores por correio eletrônico. São e-mails de alunos pré-universitários, estudantes de vários cursos, jornalistas, arquitetos, filósofos, médicos, músicos e economistas, o que demonstra sua ampla gama de leitores.
“A excelente acolhida da Deriva Genética pelo público brasileiro é uma demonstração que temos uma população "ligada" em ciência e interessada em entendê-la.” No início de 2007, as quatorze colunas publicadas entre fevereiro de 2006 e abril de 2007 foram reunidas em um livro intitulado “À Flor da Pele: Reflexões de um Geneticista”, editado pela Casa Editorial Vieira & Lent, do Rio de Janeiro. A expectativa de Pena é, além de continuar com a coluna, publicar uma segunda coletânea no início de 2009.
O Brasil não tem grandes observatórios, mas possui uma astronomia muita avançada e competitiva. O país tem buscado novos caminhos de desenvolvimento através de cooperações internacionais, adotando a política de não colocar grandes telescópios em território nacional, mas investir em equipamentos fora do país, principalmente no Chile. “Isso acontece porque o relevo e clima nacionais não são os ideais para a astronomia observacional. A região do país que combina os melhores elementos é justamente Minas, e é por isso que os maiores observatórios brasileiros estão localizados aqui”, explica Las Casas.
O equipamento localizado no Chile é o Telescópio SOAR (SOuthern Astrophysical Research - em português: Observatório do Sul para Pesquisas Astrofísicas). Inaugurado em abril de 2004, foi um grande passo da astronomia brasileira. O telescópio tem abertura de 4,2 metros, projetado para produzir imagens de qualidade melhor que as de qualquer outro observatório do mundo em sua categoria. O telescópio e sua cúpula esférica branca estão localizados a algumas centenas de metros do seu vizinho, o telescópio Gemini Sul com espelho de 8,1 metros de diâmetro, de onde se pode avistar o Observatório de Cerro Tololo.