ALGUNS TÓPICOS DA HISTÓRIA DA ASTRONOMIA BRASILEIRA

Prof. Rogério Godoy (03/agosto/2010)

CONCLUSÕES DA PALESTRA REALIZADA NO OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO FREI ROSÁRIO EM 05 DE JUNHO DE 2010

  1. Creio que, pelo visto nesta palestra, a história da astronomia no Brasil e, particularmente, a história do Observatório Nacional, merece uma maior reflexão levando-se em conta diversos aspectos como:
    a)os relativos às relações e o lugar da atividade científica versus atividade tecnológica e atividades de ensino na vida das instituições de ciência e tecnologia (Ciência pura x ciência aplicada/tecnologia x ensino de ciências em instituições não universitárias), como foi o Observatório Nacional em toda a sua existência.
    b)A história do OAB demonstra que um planejamento estratégico para desenvolvimento de uma área de pesquisa no país pode ser muito efetivo se efetuado em equipe e com aspectos de cooperativismo e ética (Abrahão, Lélio Gama e Muniz Barreto);
    c)O problema da necessidade de institucionalização de critérios para estabelecer períodos de gestão, elegibilidade e nomeação de gestores de instituições científicas não universitárias. Como, em geral, não existem, creio que a história do ON demonstra que, grandes traumas podem advir de manipulações políticas para obter nomeações e demissões tendo em vista interesses hegemônicos de grupos quaisquer.
  2. Creio, pelo exposto, que o programa de Escolha de Sítio para o Observatório Astrofísico Brasileiro foi bem mais do que um simples projeto científico. Aliás, pelo que conheço do tratamento dos dados de Piedade, creio que ficou a dever sob alguns aspectos científicos. Sob a supervisão do Prof. Paulo Marques, a aquisição dos dados meteorológicos foi feita, na região de Belo Horizonte, de forma rigorosa exigindo um grande esforço. Me parece, no entanto, que a análise dos dados meteorológicos não correspondeu ao esforço de obtenção dos mesmos. E, no que diz respeito a observações astronômicas, na verdade não foram uniformes e, em alguns casos, simplesmente não existiram, como em Piedade. Do ponto de vista científico, eu gostaria de ter visto um conjunto de artigos científicos com base em tantos dados obtidos numa campanha longa e custosa. Sei do artigo de Paulo Marques e Oscar Matsuura e o relatório de Sílvio Ferraz de Melo que justifica a escolha do Pico dos Dias. Mas, o fato é que, bem antes da reunião de 1969, aquí na UFMG, já em 1967 sabíamos de uma certeza inconsciente, que os picos em torno a Belo Horizonte não seriam escolhidos para sediar o OAB. Por isto mesmo, já estávamos encaminhando o projeto do Observatório de Piedade, atual Observatório Frei Rosário e articulando com o Prof. Magalhães Gomes a criação de um núcleo de astronomia na UMG e a obtenção do telescópio Zeiss. Ora, o inconsciente não costuma ser afetado por razões científicas, mas costuma perceber razões políticas. Me lembro, então, de um protesto veemente do Prof. Francisco de Assis Magalhães Gomes na reunião de 1969, contra o que chamou de “imperialismo paulista”.
    De fato, as decisões acerca do OAB tiveram, em seu bojo questões de hegemonia; questões que vão ter sua configuração institucional claramente delimitada na década de 80 quando a criação do Museu de Astronomia tirou do ON o seu passado e a criação do LNA tirou do ON a sua afirmação histórica de identidade: o Observatório Nacional deixou de ser um observatório nacional. Construiu-se, durante a escolha de sítio e a implantação do LNA, a hegemonia de São Paulo na astronomia e na astrofísica e, embora não seja historiador, acredito que isto se enquadra dentro de um movimento maior da sociologia e da história, que vem num crescendo desde 1932 e, no caso da cultura e da ciência, é um movimento que se torna mais intenso a partir da mudança da capital do país para Brasília, mudando-se rapidamente o centro de gravidade da vida científica e cultural do Rio de Janeiro para São Paulo.
  3. No entanto, e muito mais importante, o Programa de Escolha de Sítio para o Observatório Astrofísico Brasileiro acabou por se constituir numa enorme campanha pela implantação da astrofísica e pela retomada do desenvolvimento da astronomia no Brasil. O programa foi uma grande convocação, feita principalmente por dois arautos Abrahão de Moraes (que foi cedo demais em prejuízo do cooperativismo e da ética) e Luiz Muniz Barreto.
    Deste ponto de vista o Programa de Escolha de Sítio do OAB foi mais que um sucesso, pois nele tem origem talvez a maior parte da comunidade científica que tem operado a astronomia profissional brasileira nas últimas décadas.
    Luiz Muniz Barreto pagou o duro preço dos pioneiros e dos instituidores. Destituído da Diretoria do Observatório Nacional, foi deixado no corredor sem sala e sem mesa de trabalho. Convidei-o então a vir trabalhar na geofísica. Desde então Muniz passou a ser pesquisador do Departamento de Geofísica do ON. Ele apaixonou-se pelo geomagnetismo e trabalhou intensamente nesta área, até a sua morte recente (2006), sendo considerado o principal organizador das atividades do geomagnetismo na América Latina onde é querido por toda a comunidade.

  4. Quanto à experiência da Estação Experimental de Serra da Piedade e a criação do Observatório Astronômico Frei Rosário, também foi importante para Minas Gerais. Pois por causa deles foi instituída a astronomia profissional e revivida a astronomia amadora no nosso Estado. Para mim, foi uma das mais importantes experiências da minha vida. E, rememorando essa experiência, descobri que ela me preparou muito mal para a vida profissional que veio depois. Isto porque, muito jovem, convivi de perto, numa construção social e científica, que acontecia numa época conturbada (sob a égide do golpe militar de 1964), com pessoas de escol em todos os sentidos, e achei que esta era uma situação normal na vida. Ledo engano o meu, pessoas com a marca da grandeza, da lealdade, da cultura e da generosidade, tais como Luiz Muniz Barreto, Abrahão de Moraes, Paulo Marques dos Santos, Henrique e Zininha Wykrota, Frei Rosário Joffily, Francisco de Assis Magalhães Gomes, o Governador Israel Pinheiro e outros que cooperaram na construção do Observatório Frei Rosário, são pessoas raras. A colimação do interesse de pessoas deste naipe em um único projeto me parece, hoje, consequência talvez da intercessão de Nossa Senhora da Piedade, por que eu nunca mais vi algo semelhante em minha vida. Além disto, participei de uma equipe de trabalho, talvez a mais eficaz e criativa que conheci. Movida pela paixão em torno da astronomia era marcada pela gratuidade, alegria, pela criatividade inteligente e moleque e, principalmente, pelo idealismo e dedicação a um projeto impessoal. Estou me referindo ao grupo da SEA-Sociedade de Estudos Astronômicos: Rodrigo Dias Társia, Caio M. Rodrigues, Eduardo Janot Pacheco, Suez B. Rissi, Hipérides D. Atheniense, Paulo Bandeira, Rogério Camisassa e outros que vieram depois ou que ficavam próximos.
    Gostaria de agradecer o convite para esta palestra, que me deu oportunidade de organizar a memória e refletir acerca de uma época muito boa e muito intensa na minha vida. Finalmente, devo dizer que no entusiasmo desse grupo liderado pelo Prof. Renato Las Casas, que tem realizado um trabalho brilhante na divulgação da astronomia em Minas Gerais, vejo idealismo, entusiasmo e aquela mesma paixão pela Velha Dama, como Muniz Barreto gostava de chamar a Astronomia. Me alegro então com vocês e por vocês, por que isto é vida. Mas, por favor, não deixem que o reconhecimento público e o aumento de prestígio signifiquem o aumento da esperteza, do orgulho e da vontade de poder e hegemonia. Isto é a melhor forma de auto-destruição. Porque, além do trabalho intenso e de bom nível, é na qualidade e na ética das relações humanas que estão os fundamentos de excelência e de perenidade de qualquer instituição. Isto eu aprendi aqui na Serra da Piedade.

Serra da Piedade, 05 de junho de 2010
Rogério Carvalho de Godoy