Prof. Renato Las Casas (29/março/2010)
Um dos livros mais importantes da nossa história foi publicado em março de 1610, há exatos quatrocentos anos. O seu nome: Sidereus Nuncius (ou Mensageiro das Estrelas). Seu autor: Galileo Galilei. Apesar de conter apenas 30 folhas, talvez nenhum outro livro tenha colaborado tão decisivamente para uma mudança tão radical no pensamento humano como o Sidereus Nuncius. Depois dele não havia como alguém continuar sustentando a idéia de ser a Terra o centro do universo.
A página de rosto do Sidereus Nuncius é interessantíssima. Nela vemos ser o livro recomendado “especialmente para filósofos e astrônomos”; Galileo é apresentado como “Patrício de Florença e matemático publico da Universidade de Pádua” que “com a ajuda de um telescópio recentemente observou a face da Lua; inumeráveis estrelas fixas; a Via Láctea; estrelas nebulosas e especialmente quatro planetas girando em torno de Júpiter com intervalos e períodos desiguais e maravilhosa ligeireza”.
Bajulando o grão duque Cosimo de Médicis, procurando obter o cargo de matemático e filósofo particular desse nobre (o que acabou conseguindo), já nessa página Galileo denomina “Estrelas dos Médicis” aos quatro recém descobertos objetos em volta de Júpiter.
Sidereus Nuncius foi publicado pelo tipógrafo de Veneza, apresentando, dentre outras, descobertas realizadas por Galileo cerca de um mês antes da data de publicação. Um intervalo de tempo para publicação tão curto assim evidencia a pressa que Galileo teve em apresentar essas suas revolucionárias descobertas ao mundo, antes que alguém o fizesse. Galileo sabia que alguém mais já poderia ter construído ou estar construindo uma luneta (objeto já largamente conhecido por quase toda Europa naquela época) com qualidade suficiente para fazer aquelas descobertas.
O telescópio (ou luneta) das grandes descobertas foi o terceiro construído por Galileo. Ele apresentava um aumento de pouco mais de vintes vezes e ficou pronto em novembro de 1609.
Após extensa dedicatória a Cosimo de Médicis e apresentação das licenças para publicação, Galileo apresenta um resumo dos assuntos que serão tratados na obra na folha 5 (no Sidereus Nuncius as folhas, e não as páginas, são numeradas de 1 a 28). Nas folhas 6 e 7 Galileo descreve o instrumento fabricado por ele e usado nas observações.
Galileo inicia o relato detalhado de suas observações e descobertas na folha 7.
Logo após a conclusão de seu terceiro telescópio, ainda em novembro de 1609, Galileo descobriu as crateras e montanhas da Lua. Na noite de 30 de novembro, pela primeira vez, registrou no papel dois esboços da irregular superfície lunar. Durante dezembro Galileo acrescentou quatro novas imagens a essa folha.
Uma pessoa comum se contentaria simplesmente em haver descoberto essas irregularidades na superfície da Lua. Mas o gênio Galileo foi além. Ele quis determinar a altura das montanhas lunares. Da folha 12 à folha 16 do Sidereus Nuncius, Galileo apresenta um método para o cálculo dessas alturas, baseado em medidas das sombras dessas montanhas.
Para muitos a principal contribuição de Galileo para a ciência foi a descoberta das quatro luas mais brilhantes de Júpiter. (Em minha opinião, a maior de todas as contribuições científicas de Galileo foi o desenvolvimento do conceito da inércia.) A primeira vez que Galileo viu esses objetos foi na noite de 7 de janeiro de 1610. Nessa data ele viu três pequenas “estrelas” enfileiradas próximas a Júpiter, que lhe chamaram a atenção. Na noite seguinte Galileo observou que essas “estrelas” haviam se movido, umas em relação às outras. Galileo continuou observando Júpiter e essas estranhas “estrelas”, noite após noite. Na noite do dia 13, Galileo conseguiu visualizar uma quarta “estrela” na mesma linha das três demais. Na noite do dia 15 ficou claro para Galileo: esses quatro objetos nunca se afastavam de Júpiter e constantemente alteravam suas posições uns em relação aos outros e em relação a Júpiter. Daí foi fácil concluir: esses quatro objetos não eram estrelas, mas sim satélites de Júpiter. De todas as descobertas de Galileo, essa foi a que mais pesou para o reconhecimento da teoria heliocêntrica; mostrando irrefutavelmente que um corpo pode se mover no espaço e carregar outros corpos girando em torno de si. Um dos principais argumentos dos geocentristas era de que a Terra não se movia no espaço, pois caso contrário, não conseguiria carregar a Lua em torno dela.
A descobertas das luas de Júpiter estão minuciosamente descritas a partir da folha 17, até o final do livro na folha 28.
Em fevereiro de 1610 Galileo observou “campos estelares”. Para onde apontasse seu telescópio surgiam “novas” estrelas, invisíveis à vista desarmada. Galileo decidiu demonstrar o grande numero de estrelas que existiam e não eram vistas a olho nu, através de diagramas. Nesses diagramas as estrelas vistas a olho nu eram identificadas em tamanho maior que as demais e com a forma de estrela de seis pontas. Para Galileo as nebulosas e a própria Via Láctea nada mais eram do que aglomerados de inúmeras dessas pequenas estrelas. Galileo narra essas observações nas folhas 15; 16; 16a e 16b. Nessas folhas ele nos apresenta quatro diagramas de campos estelares: Orion; Plêiades; Nebulosa de Orion e Nebulosa do Presépio. Na pressa da publicação, as folhas 16a e 16b teriam sido as últimas escritas por Galileo e enviadas para o tipógrafo de Veneza com a edição do livro já em estágio avançado.