Ivair Gontijo: O Brasil em Marte

Lara Paola (monitora do Grupo de Astronomia;bolsita do Projeto Pro-Noturno/Física) e Prof. Renato Las Casas (21/novembro/2012)

Foi uma imensa surpresa para mim, que represento a “Curiosa” no programa “Universo Fantástico”, receber do Prof. Renato o roteiro do programa do dia 16 de setembro passado e ler o nome do nosso entrevistado e sua importante relação com o avanço das viagens espaciais. Surpresa maior quando descobri toda a simplicidade e modéstia desse gigante brasileiro que nos concedeu essa entrevista direto da Califórnia/EUA, onde mora atualmente.

Ivair Gontijo nos contou um pouco sobre sua trajetória acadêmica e profissional ao responder as várias perguntas feitas por nossa equipe e também por ouvintes do programa que se maravilharam, assim como nós, em poder falar e conhecer o imenso potencial de quem luta e não desiste do que quer.

Ivair Gontijo, físico brasileiro que nasceu em Moema, centro-oeste de Minas gerais, logo no início do programa lembrou que na década de 80 foi aluno do professor Renato Las Casas no curso de física da UFMG. Atualmente ele trabalha na NASA com engenharia de sistemas e, desde 2006 vem desenvolvendo projetos, dos quais um deles foi o radar do Jipe Robô “Curiosity”; enviado a Marte.

Ivair viveu em Moema até os 16 anos, depois, juntamente com sua família, se mudou pra Divinópolis.

Estudante de escola pública, ele sempre se interessou pelas ciências exatas, como matemática e física, se dedicando muito e lendo livros que abordavam o assunto. Até a 8ª série estudou em Moema e, curiosamente, teve uma formação inicial bem diferente do trabalho que desempenha hoje, ele é técnico Agrícola formado no Colégio Agrícola de Bambuí - MG. Chegou a exercer a profissão durante três anos, mas mesmo durante essa época já pensava em fazer um curso ligado a ciências exatas.

Ele se empolgava tanto com as ciências exatas que se formou em Física e em Engenharia Elétrica. O Prof. Renato lembrou que em sua graduação ele sempre foi um estudante bem informado demonstrando que sabia o que queria. Ivair afirmou que teve ajuda de excelentes professores durante sua formação acadêmica e isso o ajudou consideravelmente.

Ele também nos disse, com muita modéstia, que foi por acaso que foi trabalhar na NASA. Segundo ele, seus planejamentos mais concretos não foram os que o levaram a trabalhar nessa importante Agencia Espacial; e sim as pequenas oportunidades que ele, preparado, soube aproveitar. Chegou a mandar seu currículo pra NASA dez vezes, sem sucesso. Até que um dia, no trabalho, recebeu um telefonema para uma entrevista no Jet Propulsion Laboratory (JPL ou JET), da NASA, e com certeza aproveitou a oportunidade grande que lhe apareceu.

Hoje Ivair é funcionário do JET, onde trabalham cerca de cinco mil pessoas. Os laboratórios do JPL ficam na Califórnia, aos pés de uma montanha, um lugar extremamente quente, chegando às vezes a temperatura de 42° Celsius. Apesar do forte calor, a área do JPL é muito bonita, com floresta próxima, e nesse contexto “é claro que termos a presença de alguns animaizinhos”. Ivair nos contou que é freqüente encontrar veados, onças, entre outros animais pela região.

Em 1930 estudantes da University of Caltech na Califórnia resolveram fazer testes de foguetes na região onde não existia praticamente nada. Daí a origem do JPL.

Nos últimos anos, Ivair liderou um grupo que desenvolveu uma parte da sonda Curiosity, que está no solo de Marte desde agosto passado. Juntamente com sua equipe, Ivair construiu o coração do radar de descida do Curiosity. Esse radar foi essencial no processo de descida do Curiosity ao solo marciano. Esse importantíssimo instrumento funcionou apenas nos últimos 7 minutos (de “terror”) da descida. Essa foi a parte mais critica da missão (a que geralmente destrói os robôs enviados pra Marte). Por isso o trabalho do Ivair, e de sua equipe, foi importantíssimo para o sucesso dessa missão. Se o radar falhasse, o Curiosity hoje seria um amontoado de ferro retorcido no solo de marciano.

Antes de ir pra NASA Ivair já trabalhava aqui no Brasil com fibra ótica o que facilitou seu trabalho com o radar. Uma missão a Marte demanda sempre muita preparação e a oportunidade de lançamento só acontece a cada 26 meses, quando temos uma aproximação entre a Terra e Marte. O Curiosity já era pra ter sido lançado 26 meses antes; porém houve um atraso, em outra parte do projeto, o que obrigou o Curiosity a esperar por mais uma aproximação Terra-Marte pra ser lançado.

Comandos são enviados daqui da Terra para o Curiosity, que os executa e manda de volta imagens e/ou resultados de analises. O Curiosity tem nos enviado em média 80 Mega bytes de informação por dia.

Assim como a Terra Marte possui atmosfera. Um objeto entrando com alta velocidade nessa atmosfera pode se despedaçar e/ou alcançar altíssimas temperaturas. Essa é uma das grandes dificuldades para se por uma sonda no solo marciano. A baixa densidade da atmosfera de Marte reduz em muito a eficiência de para quedas.

Como uma onda eletromagnética mandada de Marte para a Terra ou da Terra para Marte demora cerca de 14 minutos pra atingir seu objetivo; mandar sinais de comandos para o Curiosity em Marte significa ter que esperar cerca de 30 minutos pra receber informações sobre esses comandos; se foram executados com sucesso ou não. Devido a essa demora, muito foi projetado pra ser feito automaticamente pelo robô, para muitos “imprevistos” o Curiosity toma as suas próprias decisões.

Foi a nave Mars Odyssey, também da NASA, em órbita de Marte desde 2001, a responsável pela comunicação entre o robô e a Terra, durante o processo de descida do robô. Entretanto, a Mars Odyssey começou a apresentar problemas no dia da descida do Curiosity, o que trouxe grande apreeensão. Felizmente ela voltou a funcionar 10 minutos antes da entrada do robô na atmosfera, retomando a comunicação com a torre de controle.

Segundo Ivair foi uma descida dramática pra todos os envolvidos no projeto, e pra ele principalmente. O momento mais emocionante foi ouvir seu colega de trabalho narrando a descida e dizendo que o radar do Curiosity havia encontrado o solo marciano. Era o fruto de seu trabalho e de sua equipe funcionando perfeitamente.

O Curiosity pesa, na Terra, cerca de 900 kg, possui seis rodas de alumínio com amortecedores de titânio; 10 instrumentos internos para analises de amostras; um gerador atômico traseiro e um mastro com câmeras e um laser capaz de emitir pulsos em rochas a 7 metros de distância, a fim de determinar suas composições quimicas. O robô tem instrumentos que medem a temperatura do ambiente que variam entre – 70° Celsius e 0° Celsius na região onde ele se encontra.

A cratera onde desceu o Curiosity chama-se Gale. Dentro dela encontra-se uma montanha formada por depósitos em camadas. Os sedimentos depositados ao longo do tempo podem guardar registros do passado de Marte. Também a base da montanha possui argila, o que é evidência de um ambiente úmido prolongado.

Indagado por um ouvinte se acredita que exista vida em outros planetas, Ivair falou da infinidade de estrelas binárias que existem no nosso universo e que dificilmente há um planeta em uma orbita estável ao redor delas. Ele ressaltou, porém que as condições mais favoráveis pra isso seriam em sistemas parecidos com o nosso, onde uma só estrela faz parte do sistema planetário.

Mencionou o projeto Kepler, do mesmo laboratório JET, que tem observado cerca de 100.000 estrelas, 24 horas por dia tentando detectar planetas em torno delas, tendo já descoberto por volta de 700 planetas. E concluiu que é mesmo possível existir planetas com condições de vida como a nossa, embora ainda não tenhamos condições de provar isso.

Ivair nos falou que a importância de uma missão a Marte é o fato de podermos conhecer mais sobre esse nosso vizinho; pensando em uma possível colonização. Ele diz que a Terra está na zona habitável do nosso sistema planetário, numa faixa de distancias onde encontramos água liquida na superfície do planeta. Marte está na borda dessa faixa de distâncias. Se estivesse um pouco além, dificilmente teríamos condições de manter uma colônia por lá. Com o desenvolvimento de novas tecnologias podemos ter a esperança de um dia colonizarmos o planeta vermelho.

Pra NASA, no momento é prioritário investir nos satélites de Júpiter e em Marte, do que em missões de retorno à Lua. “Isso fica agora pra iniciativa privada que, embora esteja muito aquém em certas áreas, tem elaborado um importante trabalho que inclusive a NASA terceiriza”.

Ivair citou a SpaceX que, com apenas 10 anos de existência, tem fabricado foguetes de lançamentos pra Agencia Espacial Norte-Americana e já conseguiu, com sucesso, transportar equipamentos entre a Terra e a ISS.

O espaço próximo, tem sido deixado por conta das empresas privadas onde muitas delas têm desenvolvido um grande potencial para isso.

Muitos países têm interesse em retornar à Lua. Além de empresas dos Estados Unidos e da Europa, temos a China que tem desenvolvido muitas tecnologias; a Índia; etc.

No JPL, além do Curiosity, já foram desenvolvidos vários outros importantes trabalhos como as Voyager's, lançadas em 1977; mais recentemente (em 2011) a “Gravity Recovery and Interior Laboratory” (GRAIL) que está orbitando a Lua e nos fornecendo dados sobre a estrutura interna do nosso satélite. Ivair também citou a sonda Juno enviada a Júpiter e a missão Aquarius que, em órbita da Terra, nos fornece dados sobre nossos oceanos e clima.

Ivair nos contou que já está trabalhando em um novo projeto. Ao longo dos proximos dez anos estará concentrado numa nova missão a Júpiter, que será lançada possivelmente em 2020, com possível chegada a Júpiter em 2029. O objetivo principal dessa missão será estudar Europa, um dos satélites jupiterianos. Nessa lua de Júpiter acreditamos existir um enorme oceano abaixo de uma casca de gelo. Nesse oceano seria possível a existência de vida microbiana.

Ivair nos relatou que projetos tripulados a Marte por enquanto não são possíveis. O envio de robôs para a exploração, por não precisarem de sistemas mais complexos que os tragam intactos de volta à Terra, ainda são alternativas animadoras.

A duração de uma estadia humana em Marte, que seria superior a 26 meses (o tempo entre duas aproximações consecutivas Terra-Marte), seria também um agravante na complexidade da estrutura de uma nave tripulada e seus suprimentos. O mais importante por enquanto então é ter o máximo de informações do planeta vermelho e talvez pensar primeiramente em uma viagem ao redor de Marte, como no caso das primeiras viagens a Lua, e depois numa possível aterrissagem em sua superfície.

Felizmente tudo está correndo “de vento em polpa” com o Curiosity em Marte. Ele está funcionando perfeitamente; o que deixa feliz nosso grande físico brasileiro Ivair Gontijo e todos os amantes da astronomia e interessados no futuro da Humanidade.