Prof. Antonio Claret* (08 de julho de 2005)
Quando falamos de lentes, vem à mente a clássica imagem que temos destes objetos: um cristal bem polido que normalmente aumenta o tamanho do objeto que se observa. Mas, que significa a expressão lente gravitacional? Para responder a esta pergunta temos que retroceder uns noventa anos, a 1915. Neste ano, Albert Einstein formulou a Teoria da Relatividade General, que descreve as interações gravitacionais entre os corpos celestes e amplia, em grande medida, a Teoria da Gravitação de Newton.
Segundo a descrição einsteiniana, a matéria distorce o espaço em sua vizinhança e esta distorção provoca a atração gravitacional entre os corpos. Mas não só os corpos materiais sentem a influencia do campo gravitacional: o caminho de um feixe de luz também se desviará ao passar perto de um objeto massivo (ver Fig. 1). Como comprovar as predições teóricas de Einstein? A idéia que circulou com bastante difusão na época consistia em observar o Sol durante um eclipse: a luz das estrelas próximas (angularmente) ao Sol seria desviada pelo campo gravitacional deste. Fotografando este campo de estrelas próximas ao Sol durante e depois do eclipse, ambas placas fotográficas revelariam (vale a redundância) as diferenças nas posições das estrelas próximas (angularmente) ao Sol. Um astrônomo inglês, Arthur Eddington, levou a cabo tal tarefa. Aproveitando que o dia 29 maio de 1919 teria lugar um eclipse total do Sol, Eddington organizou duas expedições para observá-lo: uma viajou a Ilha Príncipe - com Eddington ao mando - e a outra a Sobral (Brasil), sob a direção de Dyson.
A primeira expedição não teve muita sorte. A climatologia não ajudou e ainda que Eddington pensou que havia comprovado as predições, suas fotografias não tinham a qualidade suficiente. Por sorte, o tempo na região de Sobral foi propício e a equipe que viajou a este lugar do Brasil obteve umas sete fotografias de muito boa qualidade que, depois de uma exaustiva análise, puseram de manifesto a concordância entre a observação e a teoria de Einstein.
Se bem todas as lentes gravitacionais se produzem pela força da gravidade dos corpos que se encontram na trajetória da luz, o resultado varia desde um aparente cambio de posição até uma deformação ou multiplicação da imagem fonte. A maioria das lentes encontradas tem sua origem nos quasares, ainda que uma galáxia, alinhada com um cúmulo de galáxias, também pode dar lugar à "espelhamentos" gravitacionais e proporcionar uma imagem deformada. Outra tipologia de fenômenos lente é a produzida por um corpo menor, como por exemplo, uma estrela (microlente). Sua força gravitacional provoca a divisão dos raios de luz em uma proporção muito menor que as galáxias, de modo que a separação resulta imperceptível e somente detectamos um aumento no brilho da imagem longínqua. Trata-se de um fenômeno difícil de detectar já que exige que a estrela-fonte, o objeto-lente e a Terra se encontrem alinhados de forma adequada.
Não obstante, existem já alguns casos documentados. Recentemente, um grupo de astrofísicos de nove países, incluindo Espanha (IAA), observou uma microlente que amplia a estrela-fonte mais de quatrocentas vezes. Cinco telescópios terrestres e o telescópio espacial Hubble (ver Figura 2) foram utilizados para seguir o evento. Entre outras tarefas, o Hubble se encarregou de definir com precisão o tipo espectral (temperatura e gravidade superficiais) da estrela-fonte, uma informação de muita importância já que determina quais serão os modelos de atmosferas estelares que se deve empregar. A curva de luz resultante da microlente MOA 2002-BLG-33 (o nome vem de uma ave extinta em Nova Zelândia) está representada na Figura 3.
Este tipo de curva é chamada cáustica e a forma de “M” em sua parte central indica que a microlente é, na realidade, um sistema binário. A forma da curva de luz depende das características da microlente e de outros parâmetros que também intervêm em sua caracterização, mas que não estão diretamente conectados com a lente: a trajetória do raio do escurecimento do bordo (limb-darkening) da estrela-fonte, etc.
O escurecimento do bordo é um fenômeno físico que pode ser observado inclusive em uma lâmpada comum: se a olhamos diretamente - não em excesso para não prejudicar a visão - notaremos que os bordos da lâmpada parecem ser mais escuros que sua parte central. Isto ocorre porque a luz que provem do interior da estrela recorre nos bordos um caminho diferente ao da direção central e, como conseqüência, se atenua. O mesmo ocorre com o Sol e com todas estrelas. Dito em outras palavras, o limb-darkening é uma medida de como a luz de uma estrela se distribui ao longo de seu disco. Esta distribuição não é uniforme: depende da quantidade de metais da estrela, da micro turbulência, de seu raio, de sua massa e de sua temperatura.
Como a luz da estrela-fonte foi amplificada quase quinhentas vezes, tivemos a possibilidade, sem precedentes, de estudar detalhadamente como a luz se distribui no disco desta estrela, de tipo solar, mas bastante mais evoluída. O resultado destes cálculos pode ser visto na Figura 3, onde a linha negra continua representa a curva de luz calculada e as barras em cores denotam os dados observacionais. O cálculo para reproduzir a curva de luz é um processo muito complexo e exige muitíssimo tempo em grandes computadores. É um exemplo típico de computação numérica relativista.
Mas o grande resultado que nos proporcionou MOA-33 foi a oportunidade de determinar, pela primeira vez, a forma de uma estrela utilizando a técnica das microlentes. Normalmente, as estrelas estão tão distantes que mesmo em grandes telescópios as veríamos como pontos de luz, sem estrutura geométrica. O calculo teórico da curva de luz, além de revelar que a lente é um sistema binário, revelou também que a estrela-fonte está ligeiramente achatada nos pólos (em torno de 2 por cento). Dada a distancia que MOA-33 se encontra da Terra (aproximadamente 16000 anos-luz), tal precisão é realmente assombrosa. Tão importante como determinar o grau de distorção da estrela é o precedente que abre: agora teremos uma nova técnica para determinar a forma das estrelas, inclusive de estrelas que não formam parte dos sistemas binários.
As microlentes têm outras aplicações na Astrofísica tais como:
Figura 1. Ilustração de como a trajetória da luz (em azul) se desvia como conseqüência da presença de um objeto massivo.
Figura 2. A microlente MOA 2002-BLG-33. Imagem obtida pelo Telescópio espacial Hubble (39 dias depois da máxima amplificação).
Figura 3. Curva de luz da microlente MOA 2002-BLG-33.
Figura 4. Representação da microlente MOA 2002-BLG-33. Note-se que os bordos da estrela-fonte estão escurecidos segundo os modelos esféricos de atmosferas estelares. O mapa de amplificação da lente está representado em azul, sendo as regiões mais claras as de maior amplificação. A figura central em forma de diamante representa a cáustica.
* Consejo Superior de Investigaciones Científicas
Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha)