Prof. Túlio Jorge dos Santos (29 de janeiro de 2007)
A terceira e a quarta galáxias mais próximas de nós são conhecidas pelo nome do navegador português Fernão de Magalhães que a serviço da Espanha empreendeu uma expedição para atingir as “Indias”. Elas são conhecidas como As Nuvens de Magalhães. Num magnífico diário Antonio Pigafetta, navegador italiano que participou da famosa viagem, escreveu em janeiro de 1521: "O Pólo Antártico não tem as mesmas estrelas que o Ártico. Vêem-se ali duas aglomerações de estrelinhas luminosas que parecem pequenas nuvens, a pouca distância uma da outra"1. Este é considerado o primeiro registro da existência destes objetos para a Europa. As Nuvens de Magalhães eram também conhecidas pelos povos do hemisfério sul. Um exemplo disto são algumas lendas antigas dos povos aborígines da Austrália que as associavam a um par de fogos divinos.
As Nuvens de Magalhães não possuem forma regular sendo classificadas como galáxias irregulares localizadas na extremidade do diagrama conhecido como “Forquilha de Hubble”. (v. figura abaixo adaptada do HST)
Intitulam-se Pequena e Grande Nuvem devido ao tamanho aparente no céu. Estão a 190,000 al e 160,000 al respectivamente de distância de nós. Em termos de massas solares (MS) elas possuem respectivamente 2.5 x 109 MS e 1010 MS, nossa galáxia tem uma massa estimada em cerca de 1012 MS. Constituem-se principalmente de estrelas jovens e quentes, mas a massa destas estrelas representa apenas 10% da massa total da galáxia. Enquanto na Pequena Nuvem estrelas azuis, quentes se concentram na parte central da galáxia, na Grande Nuvem, elas estão mais distribuídas e no seu centro se localizam estrelas mais velhas, amarelas e até gigantes vermelhas. A Pequena Nuvem possui 120 aglomerados globulares e 350 nebulosas planetárias enquanto a Grande Nuvem possui 1,200 aglomerados globulares e 100 nebulosas planetárias. Devido à diferença de suas massas, a evolução da Pequena Nuvem foi mais lenta que a da Grande Nuvem. Observações indicam que ambas as nuvens se encontram imersas em uma nuvem de hidrogênio ionizado (HII) e que existe uma faixa de HII que liga a Pequena Nuvem à Via Láctea e que é conhecida como Fluxo de Magalhães. Uma faixa parecida também liga a Grande Nuvem à nossa galáxia, porém é bem mais fraca. Estes fluxos devem ser devidos à interação gravitacional do sistema com a Via Láctea.
Galáxias anãs como as Nuvens de Magalhães são consideradas como as pedras fundamentais para a formação das demais galáxias. O estudo da formação de estrelas nestas galáxias assim como o estudo de remanescentes de supernovas tem interessado muito os astrônomos. Eles acreditam que a aproximadamente seis bilhões de anos atrás, não muito antes da formação do sistema solar, estas galáxias sofreram perturbação devido à aproximação repentina com a Via Láctea. Ondas de choque e pressão resultaram na intensa formação de estrelas observada notadamente na Grande Nuvem.
O Telescópio Espacial Hubble divulgou no inicio do mês imagens de uma região de formação de estrelas na Pequena Nuvem. O estudo da formação estelar em galáxias anãs tem interessado particularmente os astrônomos, pois sua natureza primitiva sugere a falta de um grande percentual de elementos mais pesados que são deixados por sucessivas gerações de estrelas no processo de fusão nuclear.
Na imagem abaixo, vemos no centro da região o aglomerado estelar NGC 602. Envolvendo o aglomerado encontramos estruturas semelhantes a “enrugamentos” constituídas de poeira e também filamentos podem ser vistos através do nordeste, acima, e através do sudeste, abaixo. Estruturas de pilares de poeira, em forma de tromba de elefante cruzando estrelas azuis muito quentes são sinais indicadores do efeito de erosão.
A radiação de alta energia recendendo das estrelas jovens e quentes iluminam a parte anterior das porções internas da nebulosa provocando erosão e consumindo o material além. A estrutura exterior difusa protege os fluxos de energia não permitindo que eles se espalhem pelo espaço exterior. A imagem também indica que a formação de estrelas nesta região se iniciou no centro do aglomerado e se propagou para o exterior com as estrelas mais jovens ainda hoje se formando ao longo das estruturas de poeira e gás ao longo dos “enrugamentos”.
Para obtenção desta imagem foram combinados filtros para o intervalo do visível e do infravermelho próximo e filtros de Hidrogênio e Nitrogênio.
O Telescópio Espacial de Infravermelho Spitzer apresentou um mosaico composto de cerca de 300,000 imagens da Grande Nuvem de Magalhães. A figura abaixo apresenta esta composição.
A cor azul presente no centro da imagem é devida á presença de estrelas mais velhas nesta região. As regiões brilhantes, em torno dela representam estrelas massivas (pesadas), mais jovens e mais quentes envolvidas em poeira. A cor vermelha nestas regiões indica poeira aquecida por estas estrelas. Os pontos vermelhos espalhados ao longo da imagem são estrelas mais velhas e/ou galáxias distantes. As nuvens esverdeadas contem gás interestelar frio e grãos de poeira de dimensão molecular iluminados pela luz das estrelas vizinhas.
Analisando esta imagem, os astrônomos podem quantificar os processos que levam à reciclagem da poeira espacial – material do qual são feitos os planetas, cometas e até mesmo os seres vivos – em galáxias. Esta imagem mostra poeira em três condições: ao redor de estrelas jovens e quentes, onde está sendo consumida pelas altas temperaturas (nuvens brilhantes avermelhadas); espalhada no espaço entre as estrelas (nuvens esverdeadas) e expelida por estrelas mais velhas e frias (pontos vermelhos). Esta imagem cobre aproximadamente 1/3 de toda Grande Nuvem.
O Telescópio Espacial de Raios-X Chandra divulgou também no inicio de janeiro, imagens de observações de dois remanescentes de supernovas também na Grande Nuvem. São elas DEM L238 e DEM L249, apresentadas nas imagens abaixo. À esquerda está a imagem feita no visível pela equipe do projeto MCELS (abreviatura em inglês de Levantamento de Linhas de Emissão nas Nuvens de Magalhães) e à direita a composição dela com a imagem feita pelo Chandra em Raios-X:
Supernova é o fenômeno da violenta explosão que ocorre no estágio final da vida de estrelas pesadas ou massivas; ou peso-pesadas ou supermassivas. No processo a estrela explode como um todo expelindo suas camadas mais externas e liberando uma enorme quantidade de energia, provocando o aumento significativo de seu brilho. Este repentino aumento do brilho é acompanhado por uma gradual perda de intensidade. O que resta desta explosão é chamado Remanescente ou Restos de Supernova que é uma grande quantidade de massa gasosa que se expande pelo meio interestelar.
A imagem ao lado é a radiografia de DEM L238 em três bandas de emissão de Raios-X: vermelho indica radiação de baixa energia, verde radiação de intensidade de energia média e azul indicando radiação de alta energia. A cor verde na região central do remanescente de supernova indica que este objeto é rico em átomos de ferro. Esta abundância deste elemento identifica o mesmo como uma supernova do Tipo Ia.
Supernovas do Tipo Ia são formadas a partir de sistemas binários compostos por uma anã branca interagindo com uma estrela massiva ou supermassiva. A anã branca captura matéria da companheira formando um disco de acresção ou acréscimo e à medida que esta matéria vai sendo sugada a temperatura aumenta até chegar a um valor alto o suficiente para provocar a fusão do carbono. Esta fusão termonuclear é acompanhada simultaneamente de uma explosão. A figura abaixo ilustra o evento.
(Adaptado de NASA/CXC/M. Weiss)
Algumas características importantes podem ser observadas comparando as imagens em Raios-X de DEM L238 com três supernovas do tipo Ia, a saber: SN 1006, uma supernova registrada pelos chineses e japoneses ocorrida no ano de 1006 e as supernovas de Tycho e Kepler observadas por estes dois astrônomos em 1572 e 1604 respectivamente. A primeira delas é a de que a densidade de ferro encontrada na região central de DEM L238 (e também em DEM L249) é muito maior que a encontrada nas supernovas observadas. Isto sugere que o fenômeno ocorreu em meios com densidades de matéria mais elevadas e que as estrelas envolvidas com as anãs brancas eram mais massivas que as usuais. A figura abaixo apresenta esta comparação.
Nela podemos observar que a emissão de radiação X na supernova de Kepler contem uma região central brilhante semelhante à de DEM L238 enquanto a emissão na supernova de Tycho e 1006 parece ser mais uniforme. Estes resultados indicam que as estrelas envolvidas nas explosões que resultaram nos remanescentes de DEM L238 e Kepler eram mais jovens que as responsáveis por Tycho e 1006.
[1] primeira viagem ao redor do mundo – O diário da expedição de Fernão de Magalhães – L&PM Pocket - 2005