Prof. Renato Las Casas (30 de março de 2009)
Foi promulgado pela ONU: 2009 é o “Ano Internacional da Astronomia”.
Esse é um ano em que a divulgação do conhecimento astronômico está sendo incentivada em todo o mundo. Isso se deve à necessidade sentida de formarmos cidadãos com maior conhecimento científico ao mesmo tempo em que comemoramos os 400 anos das primeiras observações astronômicas com telescópio.
Galileo Galilei foi o primeiro grande fabricante de telescópio. Veja: “Há 400 anos... A Invenção do Telescópio”.
Como foi o desenvolvimento do telescópio logo após Galileo?
Os telescópios construídos por Galileo tinham lente objetiva (que fica voltada para o objeto observado) convergente e lente ocular (que fica voltada para o olho do observador) divergente. Uma primeira evolução significativa do telescópio foi trocar a lente ocular por uma lente, assim como a objetiva, também convergente. Essa foi uma contribuição de Johann Kepler para o desenvolvimento do telescópio, que Galileo, talvez por rivalidade com Kepler, nunca aceitou.
Em 1611, no livro “Astronomiae Pars Optica”, Kepler apresenta um novo tipo de telescópio, com duas lentes convergentes. Com elas, apesar de se ter imagens invertidas, se ganha muito no tamanho do campo de visão. Telescópios com oculares divergentes têm pequenos campos de visão que diminuem drasticamente com o aumento da imagem obtida. Na prática, com os telescópios “kleperianos”, passava-se a se construir telescópios com aumentos cada vez maiores. No século XVII, fora as “grandes descobertas” realizadas por Galileo, todas as demais descobertas astronômicas relevantes foram feitas com a utilização de telescópios desse tipo. Na década de 1640, por exemplo, Franciscus Fontana, astrônomo italiano, utilizando um telescópio “kleperiano”, descobriu faixas equatoriais na superfície de Júpiter e manchas na superfície de Marte. Giovanni Battista Riccioli, também astrônomo italiano, observou sombras das luas de Júpiter no corpo do planeta; o que demonstrava que Júpiter não tinha luz própria, mas era iluminado pelo Sol, assim como a Terra. Em 1650 Riccioli descobriu um par de estrelas duplas.
À medida que se tentava a fabricação de telescópios com melhores imagens, alguns problemas (ou desafios) surgiam. Cedo se verificou que lentes com superfícies que tivessem a forma de parte da superfície de uma esfera (lentes esféricas) não convergiam os raios de luz que passassem por elas para um único ponto, “borrando” a imagem obtida. A esse fenômeno foi dado o nome de aberração esférica.
As imagens também costumavam apresentar “halos” coloridos no seu entorno. A esse fenômeno, mesmo não entendido imediatamente, foi dado o nome de aberração cromática (ocorre devido ao fato dos raios de luz de diferentes cores que passam por uma lente, serem desviados em ângulos diferentes, não convergindo para um mesmo ponto).
Em 1638, René Decartes apresentou a solução teórica para o problema da aberração esférica. Willebroerd Snellius, matemático holandês mais conhecido por Snell, havia observado que se um raio de luz passa de um meio para outro (por exemplo do ar para o vidro) ele será desviado de um ângulo que dependerá das características físicas (à qual chamou índice de refração) dos dois meios. Utilizando a “Lei de Snell” poderiam então ser desenhadas e fabricadas lentes que não apresentassem aberração esférica.
Como disse, Decartes apresentou uma solução apenas teórica para o problema. Na época não havia tecnologia para a fabricação de lentes que não fossem esféricas.
Mas a própria “Lei de Snell” mostrava que se usassem lentes objetivas de grande distancia focal (pequena parte da superfície de uma esfera de grande raio) o problema da aberração esférica seria minimizado (na pratica verificou-se algo semelhante para o problema da aberração cromática).
Mas objetiva de grande distância focal implicava em telescópios com tubos de grandes comprimentos. A segunda metade do século XVII foi marcada pela construção de telescópios cada vez maiores, que não apenas implicavam em melhores imagens, mas também em maiores aumentos.
Um dos maiores observador, fabricante de lentes e construtor de telescópio de todos os tempos foi o holandês Christiaan Huygens.
Em 1655 Huygens construiu um telescópio com lente objetiva plano convexa de 5,7 centímetros de diâmetro; 3,37 metros de distância focal e aumento de 50 vezes. Foi com esse telescópio que no dia 25 de março daquele ano, procurando resolver o problema das “orelhas de Saturno” narrado por Galileo, Huygens descobriu Titan, a maior lua desse planeta.
Huygens não viu as “orelhas” de Saturno naquela oportunidade, pois hoje sabemos, a Terra estava passando pelo plano dos anéis de Saturno; o que não permitiu a visualização desses anéis. À medida que a Terra foi se afastando do plano dos anéis de Saturno esses foram surgindo gradativamente para os telescópios de Huygens.
Em 1659, na obra “Systema Saturnium”, Huygens anunciou serem as tais “orelhas” de Saturno anéis muito finos centrados no planeta e explicou suas mudanças de forma. Grande parte das observações de Saturno Huygens fez com um telescópio de 7 metros de distância focal e aumento de 100 vezes.
Huygens continuou construindo telescópios cada vez maiores, chegando a construção de um com 37 metros de comprimento e não completando o projeto de outro de 65 metros (chegou a fabricar a lente objetiva, com 23 centímetros de diâmetro).
Uma nova dificuldade se apresentava para a construção de telescópios tão grandes. Como construir tubos suficientemente rígidos para manter as lentes objetiva e ocular em suas devidas posições qualquer que fosse o posicionamento do telescópio?!
Huygens tentou solucionar esse problema com a construção de um “telescópio aéreo”, onde o aparato que continha a objetiva e o aparato que continha a ocular eram ligados apenas por um cordão. Se você movimentasse a ocular, a objetiva deveria se movimentar de tal forma a manter sempre o seu alinhamento com a primeira. Essa não foi uma idéia bem sucedida.
Um outro grande fabricante de telescópios do século XVII foi Johannes Hevelius, astrônomo polonês que em 1641 construiu um importante observatório no telhado de sua casa em Gdansk. Esse observatório chegou a ser equipado com um telescópio de 18 metros de comprimento.
O maior telescópio construído por Hevelius, entretanto, foi um gigante com 45 metros de comprimento. Esse era um telescópio de muito difícil operação; “tremia como vara verde” ao sopro de uma leve brisa e era muito difícil conseguir e manter o alinhamento entre a ocular e a objetiva devido a flexões do sistema que as deveria manter posicionadas.
Assim como o telescópio de 37 metros de Huygens, o telescópio de 45 metros de Hevelius pouco acrescentou ao conhecimento astronômico da época.
Do observatório do telhado de sua casa, Hevelius descobriu cometas; mapeou manchas solares; mapeou a superfície lunar; etc. Sua mais importante obra foi “Selenographia sive Lunae Descriptivo”, publicada em 1647. Essa obra lhe tornou conhecido como “fundador da topografia lunar”.
Paralelamente ao desenvolvimento dos primeiros telescópios refratores (chamamos assim aos telescópios em que o elemento óptico principal é uma lente), uma nova idéia começou a ganhar força: - Porque não construir telescópios com espelhos côncavos ao invés das lentes objetivas convergentes até então utilizadas? Os defensores dessa idéia acreditavam que se poderia construir espelhos objetiva maiores que as lentes objetiva ao mesmo tempo em que se resolveria o problema da “aberração cromática” (o ângulo que um espelho reflete um raio de luz independe da cor da luz).
Basicamente, um espelho côncavo faz o mesmo que uma lente convergente: ambos convergem os raios de luz que chegam até eles. A diferença é que os raios de luz atravessam a lente e são convergidos para detrás dela; ao passo que os raios de luz são refletidos pela superfície do espelho e são convergidos para a região na frente do espelho. (No espelho os raios de luz incidentes e refletidos se superpõe em uma mesma região do espaço).
O primeiro que tentou colocar essa nova idéia em prática foi Niccolò Zucchi, astrônomo e físico jesuíta italiano. Em seu livro “Optica pilosophia”, publicado em 1652, Zucchi relata que muitos anos antes (em 1616) ele havia tentado produzir imagens com um espelho côncavo de bronze e uma lente ocular. Os primeiros resultados obtidos não o encorajaram a prosseguir com o experimento. “-Se a ocular fica na frente do espelho, quando tentamos observar, nossa cabeça impede da luz do astro chegar ao espelho; se tentamos deslocar a ocular lateralmente, quando maior for esse deslocamento, menos luz do astro chega à ocular.”
Em 1636, Marin Mersenne, matemático e filosofo jesuíta francês, publicou o livro “Harmonie Universelle” onde apresenta a idéia de um telescópio com dois espelhos côncavos um voltado para o outro. O maior deles receberia a luz diretamente do objeto observado e a refletiria até o segundo espelho que novamente a refletiria para um orifício no centro do primeiro espelho. Após passar por esse orifício, o raio de luz chegaria à lente ocular que formaria a imagem para o observador. Renné Descartes haveria desestimulado Mersenne de prosseguir com essa idéia.
James Gregory, matemático e astrônomo escocês, em 1663, em seu livro “Optica Promota”, foi além de Mersenne e determinou a forma exata que os espelhos côncavos deveriam ter (ligeiramente hiperboloidal e elipsoidal). Naquela época não havia tecnologia para a produção dos espelhos com as formas necessárias. O primeiro telescópio “Gregoriano”, que hoje é uma realidade, só foi fabricado no século XVIII.
O primeiro telescópio reflector (chamamos assim aos telescópios em que o elemento óptico principal é um espelho) só foi construído efetivamente em 1668. Seu inventor foi o físico inglês Isaac Newton. O sistema óptico de um telescópio “Newtoniano” é constituído por três elementos: um espelho côncavo; um espelho plano e uma lente convergente.
Talvez pelo fato de Newton não ser astrônomo (ele não tinha aquele “tesão” pra ver as coisas do céu) ou talvez mesmo por puro pragmatismo, ele não se preocupou em construir um telescópio com “a melhor imagem possível”. Newton não se preocupou com a aberração esférica. A principal função do primeiro telescópio construído por Isaac Newton foi mostrar que telescópios reflectores eram possíveis e que esses não apresentavam aberração cromática.
Em seus estudos da decomposição da luz, Newton entendeu que a origem da aberração cromática estava no fato de raios de luz de cores diferentes serem desviados diferentemente quando da passagem de um meio para outro (por exemplo: do ar para o vidro e do vidro para o ar). Mas em um espelho isso não acontecia. A direção em que a luz é refletida por um espelho independe de sua cor, dependendo apenas da direção de incidência do raio de luz sobre a superfície do espelho.
O primeiro telescópio construído por Newton tinha espelho de pouco mais de três centímetros de diâmetro e dezesseis centímetros de distância focal e era feito de “speculum” uma liga de cobre e estanho que quando polida refletia relativamente bem os raios de luz. Com esse telescópio foi possível ver as luas de Júpiter que haviam sido descobertas por Galileo e, também como Galileo, acompanhar as fases de Vênus.
Newton construiu pelo menos mais uma versão de seu telescópio; versão essa que em 11 de janeiro de 1672 apresentou à Royal Society. Esse aparelho, um pouco maior que o primeiro, com cinco centímetros de diâmetro, encontra-se preservado e exposto no “British Museum”.
A quase totalidade dos telescópios profissionais atuais é refletora, porém com sistema óptico publicado em 25 de abril de 1672 no “Journal des Sçavans” por Laurent G. Cassegrain, professor de ciências francês. Basicamente, o telescópio Cassegraniano se distingue do Gregoriano por ter espelho secundário convexo colocado antes do ponto de foco do espelho primário; enquanto o Gregoriano tem espelho secundário côncavo, colocado após o ponto de foco do espelho primário. No telescópio Cassegraniano o espelho primário deve ser parabólico côncavo e o espelho secundário hiperbólico convexo.
O problema da aberração esférica começou a ser efetivamente resolvido no início do século XVIII, com o desenvolvimento de tecnologias para a fabricação de espelhos com outras formas que não fossem plana ou esférica.
O primeiro telescópio com aberração esférica “praticamente zero” foi fabricado em 1723 pelo escocês James Short. Foi um telescópio Newtoniano com espelho parabólico feito de “speculum”. Durante a sua vida Short fabricou mais de mil telescópios newtonianos e gregorianos; todos com espelhos dessa liga metálica.
O primeiro telescópio “acromático” foi construido em 1736 por Chester Moor Hall (advogado e matemático inglês). Hall percebeu que vidros com composições diferentes não apenas desviavam por ângulos diferentes os feixes de luz que passavam por eles, como também variavam o ângulo de desvio, de cor para cor, de forma diferente. Assim, seria possível construir uma objetiva que não apresentasse aberração cromática, combinando duas lentes feitas de materiais diferentes.
Dentre os materiais disponíveis, Hall determinou o par que melhor prestava aos seus objetivos (vidros “crown” e “flint”) e calculou as formas exatas que cada lente deveria ter (a de vidro “crown” seria biconvexa e a de vidro “flint” seria côncava-convexa).
Para não dar pistas antecipadas do invento em que trabalhava, Hall encomendou cada uma das lentes de sua objetiva a uma firma diferente. Entretanto as duas firmas contratadas por Hall contrataram o mesmo óptico para fazer o serviço. George Bass, foi o óptico que construiu a primeira objetiva acromática, com 6,5 centímetros de diâmetro e distância focal de 50 centímetros. Quase que simultâneamente George Bass recebeu as encomendas das duas lentes (de mesmo diâmetro e curvaturas). Isso não poderia ser coincidência. Bass não demorou a “matar a charada” e antes mesmo de concluir seu trabalho já divulgava a idéia da objetiva acromática em um grande círculo de relacionamento.
As objetivas com dois elementos podem reduzir muito o cromatismo das lentes. Com o objetivo de reduzir ainda mais a aberração cromática têm sido construídas objetivas com três elementos, denominadas “apocromáticas”.
Atualmente os espelhos dos telescópios são construídos, a partir de blocos de vidro. Por polimento, dá-se a forma desejada a uma das faces do bloco de vidro e aplica-se sobre essa face (em uma câmara de vácuo) uma fina camada de alumínio. O alumínio refletirá a luz; o vidro apenas dá a forma desejada a essa camada de alumínio.
Os telescópios refletores alem de não apresentarem aberração cromática, são mais fáceis de serem fabricados que os refratores. Para fazer um espelho você tem que polir apenas uma face do bloco de vidro; para fazer uma lente você tem que polir duas faces. Alem disso, para fazer o espelho o vidro não precisa ser de primeiríssima qualidade, pois a luz não passará por dentro do vidro, ela apenas interagirá com a camada de alumínio depositada sobre uma de suas superfícies.
Telescópios Cassegranianos