Henrique Di Lorenzo Pires (Monitor UFMG/Frei Rosário)
De todas as 88 constelações Escorpião é uma das que mais se destaca. Notável por sua extensão, forma e pela riqueza em objetos interessantes à observação, Scorpius (nome latino) sempre surpreendeu aqueles que já se dedicaram à astronomia nos últimos milhares de anos.
O padrão é inconfundível: o animal medonho disposto no céu, “caminhando” lentamente pela noite, parece superar a condição de mera constelação (a palavra “constelação” etimologicamente significa “estado do céu”) sugerindo uma entidade real locomovendo-se furtivamente entre as estrelas, com suas pinças e ferrão prontos para atingir alguma vítima.
A constelação de Escorpião foi identificada como tal tanto pelos gregos quanto pelos egípcios e persas. A origem egípcia remete às secas que devastavam a região do Nilo, já que nessa época o Sol passava por essa constelação. Antares, a estrela mais brilhante de Escorpião, era considerada uma das “guardiãs” do céu segundo os persas. Já a mitologia grega tem outra explicação para a constelação. O escorpião foi o animal enviado por Ártemis (deusa da caça de acordo com a mitologia, embora ela também seja associada ao parto e à Lua. Artémis pode ser considerada a versão feminina de Apolo, seu irmão gêmeo) para matar Órion. Diz a lenda que Ártemis, fria e vingativa, sentia-se prejudicada nas suas atividades de caça pelo gigante caçador Órion. Uma variante do mito afirma que o escorpião nunca chegou a matar Órion – de fato, se observarmos o céu nessa época do ano veremos que a constelação de Órion se põe enquanto que as estrelas de Escorpião nascem no outro lado da abóbada celeste.
A figura abaixo é uma representação da constelação de Escorpião como é observada no céu. É interessante ressaltar que para a astronomia o termo “constelação” assume um significado um pouco diferente do que costumamos imaginar. Antigamente as constelações eram grupos de estrelas que formavam um padrão abstrato (uma cruz, um caçador, um cão, um escorpião, etc...). Atualmente utiliza-se o termo “constelação” para designar uma dada região do céu. Dessa forma a cúpula celeste foi dividida em 88 regiões, cada uma dessas regiões é uma “constelação”. Obviamente o nome de cada uma delas é dado em função do padrão de suas estrelas constituintes. Na figura abaixo, as linhas ligando as estrelas formando a figura do escorpião remetem à noção antiga de “constelação”. Já a área recortada na qual estão dispostas essas estrelas remete à noção de “constelação” para a astronomia hoje.
Representação artística do Escorpião como foi publicada no Atlas Celeste de Alexander Jamieson em 1882.
As próximas seções serão dedicadas à alguns objetos interessantes para a observação que estão localizados na constelação de Escorpião.
Antares (Alpha Scorpii) é uma estrela de 1ª magnitude (na verdade é uma estrela binária) – uma supergigante vermelha, distante aproximadamente 600 anos-luz da terra, 700 vezes maior que nosso sol e 10.000 vezes mais brilhante. O nome ´Antares´ significa ´Rival de Marte´ - rivalidade entre os dois objetos mais avermelhados do céu, que são freqüentemente confundidos.
Abaixo temos uma belíssima foto de Antares e regiões próximas:
Messier 7 (M7) é um aglomerado aberto de estrelas, isto é, um agrupamento de algumas dezenas de estrelas organizadas assimetricamente, próximas ao plano galáctico. Consiste de aproximadamente 80 estrelas de magnitude maior que 10 e tem idade estimada em torno de 220 milhões de anos.
O primeiro registro de observação do aglomerado M7 é creditado a Ptolomeu, que no ano 140 AD fez a seguinte observação: “Um conjunto nebuloso que segue o ferrão do Escorpião”. M7 também é conhecido como o Aglomerado de Ptolomeu.
Em 1764 Messier fez o registro da observação desse objeto: “Um aglomerado estelar, mais considerável que o precedente (M6). Para o olho nu esse aglomerado parece uma nebulosidade, pouco distante do precedente, disposto entre o arco de Sagitário e o ferrão do Escorpião”.
Pelo esquema a seguir pode-se localizar tanto M7 quanto M6, a partir do ferrão do Escorpião (como já foi sugerido há mais de 2000 anos por Ptolomeu).
Foto do aglomerado M7. Note a distribuição assimétricadas estrelas
Assim como M7, M6 é um aglomerado aberto de estrelas, cuja idade estimada é em torno de 100 milhões de anos. A descoberta de M6 é atribuída à Hodierna, que a observou em 1654.
A descrição de Messier para M6, feita em 1764, foi que o objeto aparentava ser “um aglomerado de estrelas pequenas entre o arco de Sagitário e o ferrão do Escorpião. Para o olho nu esse aglomerado aparenta formar uma nebulosa sem estrelas, mas mesmo com o menor instrumento é possível se observar algumas pequenas e fracas estrelas”.
Observe abaixo uma foto do aglomerado M6, também conhecido como o “aglomerado da borboleta”, uma vez que o arranjo das estrelas sugere uma borboleta de asas abertas. Note que a estrela mais brilhante de M6 é uma supergigante amarela, do tipo espectral K (veja o texto “Observando as cores das estrelas”) localizada à esquerda do aglomerado. As outras são em sua maioria estrelas bastante quentes e azuis, do tipo espectral B. Note também a assimetria característica dos aglomerados abertos.
M4, diferentemente dos dois últimos aglomerados, é um aglomerado globular de estrelas. Aglomerados globulares são concentrações de milhares de estrelas (entre 10 mil e 1 milhão!), com simetria tipicamente esférica, situado longe do plano galáctico. M4 especificamente seria um dos mais esplêndidos aglomerados do tipo, se não fosse as nuvens pesadas de matéria interestelar que absorve a luz, tornando sua coloração aparentemente mais alaranjada (note esse detalhe na foto abaixo).
M4 é também um dos aglomerados abertos mais próximos da Terra (aproximadamente 7.200 anos-luz), bem como um dos mais “dispersos” (menor densidade de estrelas). Sua descoberta é atribuída a De Chéseaux, em 1745; sendo catalogado alguns anos depois (1764) por Messiser, que assim descreveu sua observação: “Aglomerado de pequenas (fracas) estrelas, por um pequeno telescópio. Aparenta ser uma nebulosa. Esse aglomerado está localizado próximo de Antares”. Muitos outros objetos interessantes foram encontrados nesse aglomerado: em 1987 foi descoberto um pulsar (uma estrela de neutrôns rodando em alta velocidade – em torno de 300 vezes por segundo, emitindo pulsos de ondas eletromagnéticas). Em 1995 o telescópio espacial Hubble fotografou estrelas anãs brancas, que estão entre as mais velhas da nossa Via Láctea; e em 2003 esse mesmo telescópio identificou algo que parece ser um, de massa 2,5 vezes maior que a de Júpiter, tão velho quanto o próprio aglomerado, cuja idade estimada é 13 bilhões de anos (3 vezes mais velho que nosso sistema solar!).
Aglomerado globular M4. Note as diferenças entre este e os dois últimos aglomerados, principalmente na quantidadede estrelas e na sua simetria.