Henrique Di Lorenzo Pires (Monitor UFMG/Frei Rosário)
Você provavelmente já reparou numa noite de céu limpo que nem todas estrelas brilham da mesma maneira. Umas possuem um brilho mais intenso, outras não passam de pontinhos pálidos no céu. Até mesmo as cores são diferentes. Uma questão bem interessante surge ao tentarmos compreender por que aquela estrela, no meio daquela constelação estranha, brilha com um vermelho extraordinário, completamente diferente de suas vizinhas. A causa disso certamente não é rebeldia ou extravagância estelar, mas uma propriedade física extremamente importante, que se manifesta também em várias outras situações. Podemos começar citando uma delas.
Observe bem as fotos abaixo. O que será que diferencia a chama de uma vela da chama de um bom fogão a gás?
Bem, já fomos motivados a responder que é a cor, e é de fato essa a principal diferença. Ainda não aprendemos nada de novo. A analogia até esse ponto só nos diz que, assim como as estrelas, existem chamas de cores diferentes. Devemos ir além do nosso olhar analítico e novamente perguntar: por que essas chamas são diferentes?!
Um pouco de reflexão nos leva a pensar – elas são tão distintas pois a temperatura de cada uma é diferente. Ao fogo extremamente quente do fogão contrapõe-se a chama da vela. E não estaríamos errados. Você poderia imaginar: “bem, talvez a distinção na cor está relacionada ao tamanho das chamas”. Se você preferir podemos comparar então a chama do fogão produzida quando o botijão está novo com aquela produzida por um botijão quase vazio. Certamente você já notou essa diferença! Um fogão de chama amarelada não é tão eficiente assim para preparar nossas refeições.
No mundo estelar ocorre algo semelhante. As estrelas não são todas idênticas. A temperatura de cada uma está intimamente relacionada com a sua coloração. Por exemplo, as estrelas azuladas são as mais quentes e possuem como elemento químico predominante na origem da coloração o hélio ionizado. E assim por diante - a identidade de cada estrela vai aos poucos se formando nessa íntima relação entre cor (espectro) e temperatura. Mas ao contrário do que poderíamos crer, essa identidade não é permanente. As estrelas mudam ao longo dos tempos. Nascem e morrem. Passam por transformações admiráveis. E durante suas vidas gigantescas (bilhões de anos!) evoluem de tal maneira que as temperaturas também variam. As estrelas novas são as mais quentes, esfriando lentamente ao longo das eras.
Levando em conta essas diferenças um critério para classificação de estrelas foi criado. Observe a tabela abaixo. Ela nos mostra como podemos classificar esses astros de acordo com a temperatura:
A luz visível, as microondas, os raios-x, as ondas de rádio e TV, os raios ultravioletas, entre outros tantos exemplos são fenômenos físicos de mesma natureza – todos eles pertencem à categoria das “ondas eletromagnéticas”.
Uma constatação física extremamente interessante é que todo corpo em determinada temperatura (e isso inclui estrelas, chapas de ferro incandescentes, pessoas, e até mesmo o gelo!) irradia todas essas ondas eletromagnéticas num padrão que é característico dessa temperatura. Se com um equipamento adequado decidíssemos medir o espectro de emissão de uma pessoa (você, por exemplo!) encontraríamos todas essas ondas – você emite microondas, ondas de rádio, infravermelho, ultravioleta e até mesmo luz visível. Essa é boa! , você diria, se eu emito luz visível por que não brilho no escuro? Por que então meu corpo não está recoberto de uma mágica aura azulada? Preste bem atenção na resposta, além de simples será ela que irá nos ajudar a compreender como é que descobrimos tantas coisas sobre as estrelas somente por sua luz.
A parcela de luz visível que um corpo humano emite é tão ínfima que é impossível detectá-la utilizando somente nossa visão. Na verdade o pico de emissão do nosso corpo está no infravermelho. A partir do momento em que a temperatura de um objeto começa a aumentar o pico de emissão vai se deslocando. É por isso que quando aquecemos bastante uma chapa de ferro ela começa a irradiar um vermelho perigoso (nem queira encostar!). O pico de emissão máxima se deslocou do infravermelho para o vermelho visível.
Observe a figura abaixo. As ondas de menor energia estão à direita e as de maior energia à esquerda. Assim fica mais fácil compreender porque uma estrela em altas temperaturas é mais azulada.
Poderíamos dissertar longamente sobre o assunto, mas queremos nos ater somente às cores das estrelas. Na verdade a luz que chega das estrelas até nós contêm tanta informação, ou melhor, contêm praticamente tudo que sabemos sobre elas! A simples constatação da coloração já nos dá preciosas dicas sobre a idade das estrelas, as azuladas (as mais quentes) são estrelas mais jovens, já as mais avermelhadas (as mais “frias”), são estrelas mais velhas. Um último exemplo seria interessante.
O espectro de uma estrela específica não é contínuo, como desenhado acima, mas encontramos certas falhas no padrão, como alguns “buracos” (observe a figura abaixo). A análise da configuração dessas lacunas nos dá informação sobre a composição química desses astros radiantes!
Desafio!
Vocês saberiam dizer por que a prefeitura deveria dar preferência às lâmpadas de vapor de sódio para a iluminação urbana? Detalhe! A reposta deve estar baseada na temperatura do Sol!
Foto do Sol
Espectro da lâmpada de vapor de sódio
Aparentemente o sol está tão relacionado à iluminação pública quanto com o preço da melancia. Mas uma série de argumentos elegantes irá nos mostrar que não poderia ser de outra forma!
A temperatura das camadas externas do Sol está em torno dos 6.000 K, isso o qualifica como sendo uma estrela do tipo G (lembra-se daquela primeira tabela?). A vida na terra surgiu sobre esse banho de radiação. Dia após dia o planeta era iluminado por um espectro eletromagnético específico; não seria de estranhar que a natureza, tão obstinada no que tange à evolução, não daria rumo no seu processo seletivo a privilegiar aqueles que fossem mais sensíveis à cor mais presente. Nessa disputa tão concorrida pela sobrevivência venceram aqueles que eram mais sensíveis à luz amarela. O pico da sensibilidade do olho humano está, por esse motivo, na freqüência próxima da cor amarela. Observando o espectro da lâmpada de vapor de sódio nota-se que a maior parte da luz irradiada é amarelo-alaranjada, ou seja, perfeitas para o olho humano. Relacionamos assim a temperatura do sol com a iluminação urbana! Voilà!
Uma prática interessante para perceber o que foi dito no texto é a simples observação do céu em uma noite limpa, de preferência em um local pouco iluminado e poluído.
Com um binóculo ou um pequeno telescópio tente caçar as estrelas coloridas, compare umas com as outras. Freqüentemente é complicado classificar de imediato uma estrela quanto sua coloração somente pela a observação com um binóculo. Não se preocupe, pois não estamos preocupados em classificá-las absolutamente. Devemos voltar nossos esforços à comparação. Escolha duas ou três estrelas e verifique qual delas é a mais azulada, qual é a mais avermelhada, ou, se for o caso, se elas possuem a mesma coloração. Repetindo esse processo sucessivamente iremos adquirir habilidade na identificação da cor-temperatura-idade das estrelas.
Agora se deve ter um cuidado muito grande! Observando as estrelas mais fraquinhas temos a impressão de que todas elas são brancas. Nesse caso não podemos afirmar que elas são certamente brancas; o que acontece é que a sensibilidade do nosso olho não é suficiente para identificar sua cor. Uma estratégia para contornar essa eventualidade é utilizar um telescópio ou binóculo fora de foco para observar essa estrela. Isso fará com que uma maior quantidade de luz não concentrada se projete na nossa retina, proporcionando um melhor estímulo visual.
Betelgeuse, também conhecida como Alpha da constelação de Órion é uma das estrelas mais interessantes para se observar a olho nu. Seu forte brilho avermelhado se destaca no início da noite como uma das estrelas mais bonitas dessa região do céu. Localizá-la é bastante simples. Logo após escurecer procure no céu, aproximadamente na direção onde o Sol se põe, pelas Três Marias, também conhecidas como Cinturão de Órion. Betelgeuse estará bem próximo(ver figura abaixo).
Caixinha de Jóias ou NGC4755 é um aglomerado aberto de estrelas, isto é, um agrupamento de algumas dezenas de estrelas organizadas assimetricamente, próximas ao plano galáctico. O destaque deste aglomerado está nas “jóias”. São estrelas das mais variadas cores reunidas numa pequena região do céu. Com um binóculo é fácil encontrá-la a partir da constelação do Cruzeiro do Sul. Caixinha de jóias está um pouco abaixo e um pouco para fora do braço menor da cruz (veja a figura abaixo). A forma do aglomerado lembra um pouco a letra “A”. Observe logo abaixo uma excelente foto do aglomerado “Caixinha de Jóias”.